quinta-feira, 8 de março de 2012

Nossa, já se passaram quatro anos!



Por Karime Isper

Ainda me lembro com uma clareza incômoda da sensação de ser acordada no meio da madrugada com as batidas fortes das mãos nervosas de minha mãe, no dia 8 de março de 2008.

Ao abrir a porta, vi uma pessoa desnorteada, atordoada, perdida.

Mamãe andava inquieta, de um lado para o outro, e falava, com as mãos na cabeça: “Vamos, vamos! Teu pai bateu o carro...”

Ainda meio sonolenta, pedi para que repetisse, eu não conseguia digerir aquilo que ela me contava e queria, de alguma forma, acordar daquele pesadelo.

Entramos no carro e saímos do jeito que estávamos.

Liguei para o meu irmão no caminho.

– Onde vocês estão? – gemeu ele, desesperado, do outro lado da linha.

– Chegando! Como ele está? – perguntei.

– Vem logo! Ele está todo quebrado! Ele está todo quebrado! – devolveu.

Nesse momento, senti todas as coisas a minha volta desaparecerem.

Chegando ao Pronto Socorro 28 de Agosto eu entrei, sem pedir licença ou permissão, na área do politrauma.


Encontrei meu pai com as roupas rasgadas e ensanguentadas, com colar cervical e a perna direita enfaixada.

Parecia que meu sangue não circulava mais em meu corpo e com os olhos cheios de lágrimas eu me aproximei.

Mal sentia minhas pernas quando toquei na sua face.

Desorientado, ele me pedia para ir embora e me perguntava por que estava ali.

Contei-lhe que havia sofrido um acidente e que deveria ser avaliado.

Ele duvidava.

Me disse diversas vezes que aquilo não era verdade e que queria ir para casa.

Dei um beijinho na sua testa e disse que iria sair para que mamãe entrasse.

Pouco depois, minha mãe sai desgovernada de dentro do quarto, com um segurança adornando os seus braços.

Pedia em voz alta para que operassem meu pai, dizia que ele estava muito gelado.

Um a um, os amigos começaram a chegar.

Alguns deles eram médicos e com livre acesso à área onde meu pai estava.


Após provas diagnósticas, evidenciou-se hemorragia interna e uma intervenção cirúrgica foi indicada.

Foram mais de 5 horas de cirurgia e nós acompanhávamos através de mensagens que o Dr. Rodrigo nos enviava.

Com uma paciência soberana, ele nos dava o passo-a-passo de cada etapa.

Enquanto aguardávamos ansiosos do lado de fora, avistei no corredor um senhor de cerca de 60 anos trajando a camisa laranja do Tio Acram.

Aquilo veio com um sopro de ar fresco e no meio de tanta angústia, conseguimos sorrir!

A cirurgia acabou e o sol já estava alto.

Tínhamos alcançado a segunda vitória.

Acreditávamos que a partir dali seria só cuidar de sua recuperação.

Ele foi transferido para um hospital particular e nos preparamos para receber visitas e contar histórias.

Até o momento, não havíamos contado nada ao meu avô.

Não queríamos que ele tivesse um choque muito grande.

Coube a mim transmitir a notícia.

Na recepção do nosso hotel, o jornal local já anunciava o acontecido.

Com um nó na garganta procurei o vovô.

Ao encontrá-lo, forcei serenidade e disse: “Papai bateu o carro...”

Ele buscou aos céus e me desafiou perguntando quando.

Disse-lhe que não sabia ao certo, mas que ele já estava melhor e com a perna quebrada.

Chegamos ao hospital e quando meu avô viu meu pai na cama do quarto ergueu os braços para o alto e exclamou: “Pelo amor de Deus, meu filho! O que aconteceu?...”

Os soluços lhe arrancaram as palavras e os dois choraram de mãos dadas.


Papai respirava diferente e os médicos decidiram fazer novos exames.

Eu e minha cunhada descemos com ele até as devidas salas para o Raio-X e Ressonância.

Foi quando diagnosticaram as fraturas em todas as costelas e o derrame pleural.

Ele entrou no centro cirúrgico e saiu em sono profundo.

Um tubo atravessava sua traquéia para inflar-lhe os pulmões.

Hastes de ferro perfuravam sua pele para manter os diversos fragmentos do osso de sua perna no lugar.

Uma máquina o mantinha vivo.

A cada dia as coisas complicavam mais.

Eu o acompanhava de perto, dentro da UTI.

Meu irmão não saía do hospital, dizia que só ia sair de lá com o nosso pai.

Dois dias depois nos chamaram numa sala, apenas eu, minha mãe e meu irmão, para dizer que não havia mais nada a fazer.

A situação era muito grave e até uma transferência para outra cidade era arriscada.

Depois de muita discussão (e algumas confusões), incluindo a avaliação de um médico especialista em politrauma, junto com os demais médicos que estavam responsáveis por ele, acordamos que a transferência seria possível.

Foram duas horas somente para remover meu pai do leito que ele estava para a maca da ambulância.

Esperamos em pé, de mãos dadas, em silêncio, o momento que ele atravessou a porta da UTI.

Minha avó, mãe dele, portava um ramo de alguma planta e fazia uma oração em árabe, movimentando a folhagem na direção em que ele estava.

Com uma força invejável, ela repetia na sua língua natal para que devolvesse a noiva para o altar, o neném pro berço e a saúde para o meu pai.

Na saída do hospital recebemos muito carinho de pessoas que sequer conhecíamos.

Seguravam nossas mãos e diziam o quanto estavam torcendo pela sua recuperação.

Os batedores paravam o trânsito para que nada perturbasse a ambulância que o levava até o aeroporto.

Não tinham nos dado certeza, mas disseram que, se ele chegasse vivo lá, papai tinha chances reais de sobreviver.

Meu irmão já chegava em São Paulo quando a UTI aérea levantou voo.


Eu e minha mãe jogamos algumas coisas na mala e rumamos ao aeroporto.

Quando pousamos em Guarulhos, o alívio... Ele havia chegado com vida!

Dormíamos amontoados em um minúsculo apart-hotel situado em frente ao hospital.

Acordávamos às seis horas da manhã e esperávamos cada médico passar a visita.

Durante muitos dias a situação não mudava.

Recebíamos sempre as mesmas informações: “continua em estado grave”, “sem previsão de alta”, “estamos fazendo o possível”, essas coisas.

Tínhamos quatro telefones para tomar conta, e todos tocavam incessantemente.

Quantos amigos se provaram ali!

Ligavam preocupados em busca de algo que os confortasse.

Não importava a notícia, eles não desistiram, nem por um momento, do meu pai.

Muitos compareceram ao hospital, mesmo sem a possibilidade de vê-lo.

Recebemos muitos abraços e incontáveis demonstrações de carinho.

Foram absolutamente essenciais.


Papai começou a acordar 20 dias depois do acidente.

Ele olhava em volta sem entender e perguntava o que tinha acontecido.

Explicamos muitas vezes, mas não demorava muito para que ele voltasse a inquirir.

Então, pediu para que anotássemos as informações.

Mamãe escreveu em um papel, com letras garrafais que ele estava em São Paulo, pois havia sofrido um acidente, que a sua perna estava quebrada e que nós o amávamos muito.

O papel foi fixado estrategicamente na parede em frente ao seu leito.

Ele não podia falar devido a traqueostomia e se comunicava através de leitura labial.

Apesar de sinais de melhora ele ainda não estava fora de risco.

E os médicos nos conscientizavam constantemente disso.

O aniversário da minha mãe, no dia 29 de março, foi comemorado dentro da UTI.

Todos já nos conheciam nas dependências do hospital e não foi difícil conseguirmos burlar o protocolo de apenas dois visitantes para que nós quatro festejássemos aquele momento.

Mamãe vibrava com o presente dela: meu pai sorrindo!

Ainda foi preciso mais um mês de UTI, diálises, medicamentos e dolorosas sessões de fisioterapia.

Até que no dia 7 de junho meu herói voltava para casa.

Estava 20 quilos mais magro e de cadeira de rodas, mas exalando felicidade.

Há quatro anos meu pai renasceu.

E minha maior alegria é poder contar essa história tão difícil com um final feliz!

Um comentário:

  1. Lindo Seu texto Kaka... Fiquei arrepiada e com olhos marejados em relembrar atraves de suas palavras aquele tempo dificil... Graças a Deus com um final feliz!

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